Ô Aeroplano, leva eu!!
Nos tempos de meu pai menino, na fazenda em que ele nasceu vivia a Catarina, “mãe preta”. Ela dizia que era do tempo do cativeiro mas já tinha nascido forra. Toda vez que ouvia barulho de avião, ia pro quintal e gritava: “Ô aeroplano, leva eu!”...
Catarina, Catarina, levar você pra onde? Onde, nesta Terra, tem lugar pra você ir? Se levar você pro Norte, pra terra do Tio Sam, lá você não é nada, brasileiro não é nada, não tem atendimento médico, vive com medo da Imigração, sonha com feijoada, come McDonald’s porque o dinheiro não dá pra coisa melhor... Brasileiro naquelas bandas só pensa em juntar dinheiro pra um dia voltar e comprar casa, comprar prédio, sítio, respeito, posto de gasolina, vestido de marca, sapato de couro e nariz empinado...
Catarina, pense bem! Se o avião for pra São Paulo, Rio ou Belo Horizonte, lá não tem respeito, que respeito é coisa cara, custa um endereço na Zona Sul, um carro bem bonito e dinheiro pra salão de beleza e restaurante japonês. Custa trocar sua identidade por etiqueta na calça e na blusa.
Lá não lhe conhecem o nome, não sabem que você é mulher bacana. Não sabem que você tem alegria e que é sabida e que é prendada. Não olham na sua cara, nunca viram o seu rosto – não é igual aos das outras tantas Catarinas? Alguém viu? Alguém notou? Passaram reto, já está tarde. Passaram reto, é perigoso. Passaram reto, você não é rica. Passaram reto, pouco importa. Lá você não é Catarina, lá você é a décima a comprar pão, a quinta de pé na fila, a centésima a rodar a roleta do ônibus. Lá você não é forra, lá todo mundo é escravo, todo mundo nasce escravo.
Não vá lá não, Catarina! Você nasceu alforriada. Eu é que nasci escrava, sou do tempo do cativeiro, de um sistema que açoita dia e noite, que faz doer e que oprime, e eu... Eu trabalho para este sistema, já até me acostumei com ele! Aqui eu converso com você, mas lá é diferente. Lá eu não sei o seu rosto e você nunca viu o meu. Eu não paro, já está tarde; você não pára, é perigoso; eu não paro, pouco importa. Isto você não quer... Você gosta é de ser livre, não tem dono, não vende a liberdade por nada. Você sabe seu valor.
Catarina, Catarina, não entre naquele avião! Se o moço pousar e chamar e oferecer carona, agradeça, dispense, não vá!
Mas, pensando bem, Catarina, também é melhor não ficar na fazenda. Pergunte ao moço do avião se ele ainda leva você. Pergunte se ele sabe de algum lugar, se nas andanças pelos ares ele viu algum lugar onde você possa ser a Catarina, qual nenhuma outra se viu. Um lugar em que lhe dêem valor simplesmente por ser você, por ser só uma, por ter características que só você tem. Um lugar em que todos saibam que, por este mundão afora, nunca, jamais acharão outra igual a você.Se encontrar esse lugar, Catarina, por favor, não se esqueça de pedir ao moço que volte pra me buscar. Quando eu ouvir o barulho do avião lá fora, vou sair e gritar: “Ô aeroplano, leva eu!”...
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