sexta-feira, abril 01, 2005

A lógica absurda do perdão

“Só pode ser louco!”, pensei, com base em meu humano senso de justiça. Não pode ser normal um homem que teve sua mãe espancada até a morte por um primo, e, ainda assim, consegue amá-lo como a um irmão! Juntos, eles viajam pelo país contando e recontando sua história. Há dois anos estiveram em Itaúna.
Como soa absurda a lógica do perdão! Nada parece mais injusto que perdoar assim de graça, sem cobrar nada, sem cadeia, sem linchamento... Normal é sonhar que o dono das senzalas um dia vai pro tronco; é esperar, como Vandré, a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar. Normal é ansiar pela volta do feitiço contra o feiticeiro; é querer ver o outro receber a paga da praga que um dia rogou...
O filme Abril Despedaçado, de Walter Salles – uma adaptação do romance homônimo de Ismail Kadaré – trata da temática dos crimes de sangue. Uma guerra entre duas famílias perpassa inúmeras gerações e um jovem é obrigado a vingar, mesmo a contragosto, a morte de seu irmão mais velho. Ele então se tornará o próximo jurado de morte pela família rival. Neste contexto, a mulher possui o papel de fomentar o ódio, mesmo que não o sinta, lembrando o filho de que a morte do irmão precisa ser cobrada a preço de sangue.
É um ciclo de desgraças. E, contra a desgraça, só há um remédio, e não mais que um: somente a graça. Mas há um problema nesse raciocínio. De onde posso tirar amor para dar de graça a alguém que matou minha própria mãe a pauladas? Se, como ser humano, amo defeituosamente, como hei de atingir tamanha perfeição de sentimento e ignorar a profundidade da agressão? Não há livro de auto-ajuda que convença que perdoar é bacana e trará alívio. Se o perdão não brotar verdadeiramente do Amor, uma raiz de amargura ficará plantada. Henry Nowen descreve o processo do perdão: “Digo com freqüência: ‘Eu perdôo você’. Mas, mesmo quando digo estas palavras, meu coração continua zangado ou ressentido. Ainda quero ouvir a história que me diz que eu estava certo, afinal de contas. Ainda quero ouvir pedidos de desculpas e justificativas; ainda quero ter a satisfação de receber algum louvor em troca – pelo menos o louvor de ser tão perdoador!”
Não estaria Deus exagerando quando disse que temos que amar nossos inimigos? A idéia é bonita, mas, quando resolvo praticar, sinto-me frustrada diante da incapacidade de amar incondicionalmente. Seria isto pecado? Ou seria apenas parte de minha natureza? Diante de meus questionamentos, sinto como se Deus dissesse: “Filha, seu problema não está no fato de não conseguir amar seus inimigos. Antes, seu pecado é não querer depender de mim para amar. Seu mal é querer possuir em si mesma uma fonte de amor perfeito e não querer admitir que a fonte sou Eu, e que somente olhando seus inimigos como Eu os vejo é que poderá amá-los”.
A humanidade ama defeituosamente por causa do orgulho. Benjamim Franklin descreveu bem este sentimento: “Talvez não exista nenhuma paixão tão dura de subjugar quanto o orgulho. Disfarce-o. Lute contra ele. Sufoque-o. Mortifique-o quanto quiser. Ele continua vivo, e vai de vez em quando espiar e aparecer... Mesmo se eu pudesse imaginar que já o venci, provavelmente ficaria orgulhoso de minha humildade”.
Em seu livro “Maravilhosa Graça”, Philip Yancey dedica vários capítulos ao dilema do perdão e do orgulho que impede de perdoar. E conclui que somente a graça pode romper o ciclo da não-graça.
Graça encontro quando penso que minhas falhas eu jamais poderia pagar. Eis que apareceu alguém e pagou-as por mim em uma cruz. Foi sem esperar que eu me arrependesse. Foi somente por me amar, apenas por ser a fonte de todo Amor. Eu não me arrependo para que seja perdoada, mas porque fui perdoada. O perdão veio de graça. Tamanho o impacto, não me resta outro caminho que não o arrependimento.