quinta-feira, abril 06, 2006

“SMILE”, UM SONHO, UMA LENDA

Não é preciso ser um grande amante da música para se encantar com o documentário “Smile”, sobre a produção do álbum musical homônimo, do ex-Beach Boy Brian Wilson. Para quem é contemporâneo de Beatles e Beach Boys, fica mais fácil entender a profundidade da coisa. Para quem nasceu bem depois, como é meu caso, tentarei explicar a partir dos testemunhos a que tive acesso.
A ingenuidade presente no estilo musical dos californianos Beach Boys (estilo que ficou conhecido como “Surf Music”) estava com seus dias contados diante das experimentações de estúdio do líder da banda, Brian Wilson. Enquanto o grupo excursionava pelos Estados Unidos e pela Europa, o responsável pelas composições estava em casa buscando novas possibilidades, mesmo que isso significasse uma radical mudança de rumo. Os membros do grupo, dois deles irmãos de Brian Wilson, não gostaram nada das novidades, porque em time que está ganhando não se mexe. Para Brian Wilson, continuar sempre com a mesma velha fórmula seria enterrar sua paixão pela música, pelo novo, pelo inesperado. Seria entregar-se à mediocridade.
O Álbum “Pet Sounds” revolucionou a indústria fonográfica da época e, segundo George Martin, produtor dos Beatles, teve crucial importância na mudança de rumo da banda de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Star. Disse meu amigo Manoel Luiz Amaral que isso equivale a dizer (assumo com ele o risco da ousadia da afirmação) que, enquanto os Beatles revolucionavam o mundo, Brian Wilson revolucionava os Beatles. Paul McCartney faz coro à afirmação, ao declarar que “Pet Sounds” foi uma de suas principais influências para a gravação do disco "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band".
Brian Wilson não parou por aí, não se conformou com a revolução apresentada em “Pet Sounds”. Quis ir além. Quis produzir o álbum mais ousado já feito até então, uma verdadeira revolução, um disco que jamais antes fora visto no cenário pop mundial. Quando os Beach Boys voltaram de viagem, jogaram um balde d’água fria no projeto. Não aceitaram o desafio, não entenderam nada, não apostaram nas idéias do líder da banda. Muitas coisas estavam acontecendo, Brian Wilson se envolveu com drogas e, além disso, manifestaram-se nele sintomas de esquizofrenia. Nesse meio tempo, enquanto a imprensa anunciava o lançamento do revolucionário álbum “Smile”, os Beatles lançaram o revolucionário “Sgt. Peppers”.
Foi a conta. Brian Wilson sentiu-se perdido. Isso, somado a vários outros fatores, fez com que o álbum de Brian Wilson nunca fosse produzido. Ele se tornou a maior lenda de um álbum não lançado, ao lado de seu contemporâneo Sgt Peppers, a maior lenda de um álbum lançado.
Durante trinta anos, Brian Wilson não quis falar no assunto, foi tido por louco, chegou a pesar quase duzentos quilos. Na década de noventa, voltou a tocar, mas foi somente no início do presente milênio, em 2004, quase quarenta anos depois do colapso do projeto “Smile”, é que o álbum finalmente saiu.
Foi produzido e ficou uma beleza! Paul McCarney foi à pré-estréia do show. Vibrou como um adolescente, embasbacado diante da força visual e sonora e de simbologia do show. George Martin também deu testemunho sobre o álbum. Ele disse que na época não entendeu direito o que houve, mas afirmou que o disco é tão maravilhoso que não sabe o que teria acontecido na época, caso tivesse sido lançado.
Ninguém sabe o que teria acontecido, não nos cabe saber.
Mas o fato é que o documentário mexeu comigo, e pensei nele por uma semana, e ainda estou pensando. É que trata de sonhos frustrados, e trata de redenção, e de restituição. Brian Wilson hoje é um senhor. Ele disse, ao final do show, que teve sua alma curada durante a turnê. E disse isto com uma carinha cansada, um olhar resignado, mas, ainda assim, com um brilho no olhar que não se vê em qualquer esquina. Esse homem sabe quanto lhe custou a produção deste álbum. O mundo da música é que não sabe, e talvez nunca chegue a saber, a falta que aquele álbum nos fez, naquele momento, naquele cenário. Uma pena
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