sábado, janeiro 21, 2006

VENENO ANTINOSTALGIA 2

Segunda parte do texto que recebi: “Que valores são estes? Automóveis que valem mais que abraços, filhas querendo uma cirurgia como presente por passar de ano. Celulares nas mochilas de crianças. O que vais querer em troca de um abraço? A diversão vale mais que o diploma. Uma tela gigante de TV vale mais que uma boa conversa. Mais vale uma maquiagem que um sorvete. Mais vale parecer do que ser… Quando foi que tudo desapareceu ou se tornou ridículo?”.
Sou filha da classe média. É o meio em que me criei e a que devo grande parte da percepção que tenho da realidade, distorcida ou não. A História da Humanidade apresenta seus pontos de virada, mudanças de mentalidade, de geração em geração. Embora cada pessoa possa ser julgada responsável pelo que pensa, haverá sempre o momento em que sua opinião se unirá à opinião pública. É sujeito e também objeto das mudanças de valores da sociedade. E, se é verdade que tais mudanças parecem livres, espontâneas, por outro lado é curioso que se perceba nelas a repetição de patamares em uma espécie de moto-contínuo, retroalimentativo e quase previsível: cada modelo de pensamento tem por objetivo negar o anterior e resgatar parte do penúltimo. Mas algo dá sempre a impressão de que se está sendo realmente inovador.
Somos, previsivelmente, aquela geração que nega a modernidade e seu materialismo progressista e desenvolvimentista. Somos os pós-modernistas e a nós cabe negar a existência de uma verdade absoluta, científica, inquestionável. Nosso papel é, como esperado, louvar a pluralidade e execrar o totalitarismo modernista.
Uma coisa é certa: vivemos o materialismo, mas não o inventamos. Se automóveis chegaram a valer mais que abraços, foi porque aprendemos aquela velha hierarquia de classes em que ser rico é também ser melhor, em que pobre deve obediência a seus “superiores”, em que empregadas domésticas são tidas como uma “raça” de ignorantes. Se crianças exibem seus novíssimos celulares com câmera para se sentirem aceitos em sua roda de amigos, é porque talvez um dia eles pensaram que seriam bombeiros ou soldados quando crescessem, mas o absurdo da organização social é tão escancarado que até as crianças, apesar de ingênuas, perceberam que não valeria a pena. Viram que algumas pessoas são consideradas perdedoras, socialmente invisíveis porque não andam com carro do ano, não moram em bairro da zona sul e não podem “construir sua personalidade” com roupas de grife e celular com câmera.
Mais uma vez: nós não inventamos esta praga, o materialismo. E pouca coisa poderia ser mais chata do que este tipo de discurso de alguém com saudade de uma realidade que não viveu, dizendo ter pena de nossa geração. Não somos diferentes de ninguém. O autor C.S. Lewis, em um dos sete livros que compõem As Crônicas de Nárnia, escreve: “Ser descendente de Adão e Eva é honra suficientemente grande para que o mendigo mais miserável possa andar de cabeça erguida, e também vergonha suficientemente grande para fazer vergar os ombros do maior imperador da Terra”. Não somos diferentes de ninguém.