Ética e Etiqueta
Ética e Etiqueta
Poucas coisas parecem ser tão nocivas quanto citar, de forma descontextualizada, frases que alguém disse ou escreveu, terminando por distorcer ou, no mínimo, camuflar a intenção do autor. A malfadada veiculação, pela Rede Globo, do debate final entre Lula e Collor antes das eleições presidenciais de 1989 demonstrou que uma edição jornalística tendenciosa, que seleciona frases soltas, montando e desmontando discursos de forma irresponsável, sempre se constituirá em instrumento nocivo no processo de formação da opinião pública.
Grande parte das chamadas seitas heréticas surgiu de interpretações irrefletidas de escritos sagrados, quase sempre a partir de frases descoladas de seu contexto. Incontáveis guerras surgiram de frases distorcidas atribuídas a este ou àquele governante.Mas não bastaram guerras e seitas escravizadoras. Não foram suficientes ideologias e teologias distorcidas. Agora até Carlos Drummond de Andrade foi atingido. Há algumas semanas, na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, havia uma fileira de banners dependurados nas palmeiras. Anunciavam um evento de moda. Como propaganda, utilizou-se um poema do Drummond intitulado “Eu, etiqueta”. Pinçaram algumas frases que acharam adequadas ao evento, colocaram-nas entre aspas, enquadraram-nas em grandes anúncios que pudessem chamar atenção e, embaixo de cada frase, escreveram bem grande o nome: Carlos Drummond de Andrade. “Uau! Até o Drummond se interessava por moda!”, pode ter pensado algum desavisado. Não sei se ele, o Drummond, teria tido vontade de sair rasgando tudo caso ainda estivesse por aqui. Mas uma coisa é certa: fosse o poema citado integralmente – sendo ele na verdade uma crítica severa à padronização emburrecida gerada pelo mercado da moda – provavelmente muitas pessoas deixariam de comparecer ao evento. Para os que não o conhecem, o poema encontra-se disponível aqui no blog, em um dos textos anteriores.
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