José, assim, por cismar
Ele é moreno, magro, cabelos lisos cuidadosamente desarrumados sobre a testa curta, e mais não sei dizer. Acho que o nome é José, mas, se não for, fica sendo. Qualquer moço poderia chamar-se José sem reclamar.
Sua idade não sei ao certo, mas é qualquer coisa entre cinco e vinte e cinco. O problema com ele é que pensa que é médico e desanda a emitir receitas e desembesta num palavrório esquisito, mas qualquer médico da cidade entende, ele não está inventando.
Penso mesmo que seu problema seja outro: José está deslocado no tempo pelo menos cinco décadas. Tivesse ele nascido antes, quando havia médicos que nunca tiveram diploma e que desandavam a emitir receitas e desembestavam num palavrório esquisito, tivesse José nascido naqueles antigamentes, todo mundo iria lá para consultar e agradecer e depois voltar. Se fosse naquele tempo, José seria médico de direito, como agora o é de cisma, apenas por cismar, assim.
Ele pensa que é médico e outro dia chorou porque alguém lhe disse que era louco. Ou foi porque lhe disseram que fingia de louco, mas que no fundo não era? Perguntei por que não estudava e entrava na faculdade e acabava logo com isso. Ele me olhou, raivoso e espantado, e explicou que já tinha ido e que era formado, e falou com tanta convicção, que agora já não sei se quem delirava era ele ou eu.
Manhã seguinte, passei em frente a sua casa. Era uma construção de apenas um andar, com janelas largas e baixas. Entrei por uma delas, vi que o teto era baixo, mal me caberia sentada, mas, quando entrei, parece que a casa se esticou toda, e entre minha cabeça e o teto sobravam mais de metro e meio. Acordei assustada, lembrei que tinha marcado com José de ir à casa dele, queria ajudá-lo de alguma forma.
Ao chegar lá, olhei pela janela baixa e vi que seu quarto estava vazio. Uma vizinha me contou que uma ambulância tinha acabado de deixar a casa com José em uma camisa de força. Mesmo assim, eu quis entrar no quarto. José se despertou do sono e me disse que tinha sonhado com uma ambulância, muita gente, camisa de força, isto e aquilo. Sentei-me ao seu lado, segurei sua mão e disse qualquer coisa, como que para acalmar um menino de cinco anos que acaba de acordar de um pesadelo. Ele me disse que já estava na hora de se arrumar para ir ao hospital, seu plantão começaria em quinze minutos. Contei a ele sobre meu sonho esquisito. Ele riu achando graça e, talvez para provar alguma coisa, mostrou o diploma de médico que ficava pregado em sua parede. Pegou minha mão e me conduziu pela janela baixa rumo ao portão da casa. Ofereceu carona, não aceitei.
Segui caminhando de volta a minha casa, entrei pela porta, estava cansada, dei de cara comigo dormindo, acordei com o calor insuportável daquela manhã de verão.
E ainda não sei se o nome dele é José.
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