FOI ELE QUEM FEZ OS POBRES...
João Batista Figueiredo já tinha avisado! Quando o morro resolver descer, aí é que eu quero ver...
Parece que o dito apocalíptico já deu sinais de concretização na capital paulista. Há duas semanas, na web, em uma página de autoria de uma mineira radicada em São Paulo, lia-se a notícia de que várias empresas multinacionais, preocupadas com a segurança de seus funcionários, decidiram mimá-los com diárias no quintuplamente estrelado Caesar Park (café da manhã incluído). Só para os funcionários mais graduados, entenda-se bem. Na mesma página, entre os comentários, um carioca, malinha que só, tinha ares de satisfeito: “O Caesar do Rio fica na Vieira Souto. Ipanema. Entre o Arpoador e o Dois Irmãos. No lugar cujo metro quadrado é um dos mais caros do Brasil. O de São Paulo fica onde? Na 25 ou ao lado de alguma penitenciária? Ops, esqueci... do jeito que as coisas andam é bem capaz de até na Oscar Freire ter um delinqüente com uma tocha na mão!”.
Para quem não sabe, a Oscar Freire é onde o mercado de alto luxo se instalou em São Paulo. Se alguém tiver dez mil reais sobrando e quiser comprar um vestidinho básico, é para lá que deve ir. Talvez sobre até um trocado para um par de brincos, dependendo da grife. É lá que o já citado moço carioca prenunciou, sarcasticamente, a presença de um delinqüente com uma tocha na mão.
Não sei se é caso de rir. Também chorar para quê? Será que já não está mesmo na hora de a classe alta, e a média alta, e a média média, e a média baixa começarem a repensar o lugar do morro na sociedade? Quantos MV Bills e Celsos Athaídes terão que surgir documentando o escândalo do tráfico, quantas pessoas mais terão que morrer, quantos choques a população do asfalto terá que sofrer até que entenda que isto não se faz? Isto não se faz! Ignorar a existência do morro é feio, fingir que essas pessoas não existem é no mínimo mal educado. Não adianta querer explodi-los, que a vista mais bonita da cidade continuará sendo a deles, e eles explodirão o asfalto antes.
E, antes que alguém se sinta bonzinho demais porque deu um real para o menino de rua que vendia chicletes no sinal, contribuindo assim para a diminuição da desigualdade social, quero dizer a este tal, como também já disse a mim mesma muitas e repetidas vezes, que troque seu nome por dom João de Rodres.
“Dom João de Rodres/ caridoso sem igual / fez este santo hospital / como também fez os pobres”. (Epigrama de João de Iriarte – 1702-1771).
Obviamente, o mal não está em dar um real a quem precisa. É importante, sim, cuidar da necessidade imediata de pessoas que vivem na miséria. O problema é pensar que isso é o bastante, o pecado é sentir-se bom demais, caridoso demais, é ser saciado pelo sentimento de missão cumprida, quando na verdade um real não devolverá ao necessitado aquilo que lhe tiraram (ou que lhe tiramos?).
Aguarde só a hora em que o morro resolver descer de vez...
Gente é para ser tratada como gente, não como um bicho impróprio para conviver no nosso meio. Se ao menos esse bicho fosse o cãozinho da socialite Paris Hilton, ele podia ganhar uma coleirinha cravada de diamantes...
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