Bruna Surfistinha, Você, Eu e a Páscoa
Acordei cinco e meia da manhã para dar aula. Na volta, no final da manhã, passei pelo shopping. Entrei em uma livraria, cantarolando a canção “Senhor, quero ser seu santuário” em tom de oração. Comecei a folhear alguns livros, entre eles “O Doce Veneno do Escorpião”, autobiografia da ex-prostituta “Bruna Surfistinha”. Acabei lendo o livro inteiro sem ver o tempo passar.
“Bruna Surfistinha” tornou-se celebridade do dia para a noite, depois que inaugurou uma página na Internet contando sua rotina de garota de programa. Logo sua página tornou-se a mais visitada do país, entre as páginas pessoais cadastradas na internet.
Seu livro esteve em primeiro lugar na lista dos mais vendidos do país desde novembro, na categoria não-ficção. Somente na última semana é que passou para o terceiro lugar, desbancado pelo recém-lançado “A Arte na Política”, de Fernando Henrique Cardoso, e também por “Falcão – Meninos do Tráfico”, de MV Bill e Celso Athayde.
“Bruna Surfistinha” ou Raquel Pacheco (seu nome real), que há pouco tempo completou 21 anos e deixou a prostituição, fala da vida com ar de quem já viu de tudo um pouco. Ou de tudo muito. O texto é simples, bem no estilo bate-papo, mas não deixa de ser pesado, como era de se esperar. Ao longo das 172 páginas de letras grandes e de fácil leitura, ela intercala relatos de sua infância/adolescência com os pais adotivos, e fatos vividos durante sua vida de prostituição, iniciada aos 17 anos de idade.
Raquel foi criada como uma “patricinha” de classe média alta, mimada, como ela mesma descreve. No livro não fica claro o motivo por que ela optou pela “vida fácil”. Nunca mais teve contato com os pais. Arrumou um namorado, por quem deixou a profissão, e com quem pretende passar a vida.
Na sua página na Internet pode ser lido o balanço de tudo, em um texto escrito por ela após ter atendido seu último cliente, em seu último dia como prostituta. Eis alguns trechos:
“AAAAAAAAAAAAAAAA EU NÃO ACREDITO!!! Acabei de atender o meu último cliente!!!! A ficha ainda não caiu, mas beleza, amanhã, quando eu acordar, eu pensarei: ‘Eu não sou mais p...!!’. E aí sim que a ficha cairá!!”.
“Longe dos meus pais, com homens estranhos na cama, tive que cheirar [...] fedidos, ainda tive que enfrentar invejosos de plantão, assim como a hipocrisia e o preconceito na sociedade. Este foi o ‘lado negro’ que enfrentei.”
“O dinheiro nunca foi fácil, foi apenas rápido... Valeu a pena???? Depende em qual sentido. Mas se eu colocar tudo numa ‘balança’, não valeu. Um dia quero poder rir do meu passado.”
Saí da livraria com um nó na garganta. Mais uma Páscoa se aproxima. Pensando em tudo o que aconteceu hoje (as aulas que ministrei, a música que escutei e depois cantarolei, dizendo que quero ser um santuário, e, por fim, o livro que li), todas as coisas apontam para a Páscoa. É por meio do sacrifício de Jesus, é por meio do Amor e da Graça do Deus Trino que nos tornamos iguais. Para fins de justificação perante Deus, nenhum pecado é verdadeiramente maior que o outro. As conseqüências, sim, podem ser diferentes para cada ação nossa. Mas a relação de Deus conosco será sempre a de misericórdia diante de nossa existência falha, porque, independente de dimensão, de escala, sempre haverá falhas. Foi por isso que Ele comparou Israel a uma prostituta, a uma mulher adúltera, por causa da desobediência, da incredulidade, da natureza corrompida. Assim, a “Bruna Surfistinha” pode ter mais em comum conosco do que estamos dispostos a admitir. E, por fim, quem não tiver pecado que atire a primeira pedra. E que o Senhor Ressurreto nos lave de nossas transgressões. A nós todos: Brunas, Anas, Josés e Joães. Somos todos iguais neste domingo. E para todo o sempre.
<< Página inicial