sexta-feira, abril 18, 2008

O paletó e seu velhinho (meu mini conto santiaguino)

No caminho do metrô à escola, quase sempre passa por mim um velhinho e seu paletó quase cinza e quase marrom, e com furinhos. Se não passasse o velhinho, passaria o paletó, que já virou andarilho por conta própria. Calça jeans amarrada com cipó e muitas moedinhas que ele tira do bolso da camisa de trinta em trinta segundos, segura-as na mão em formato de concha, balança duas vezes para ver quanto pesam, depois volta a guardá-las. No primeiro dia eu pensei que ele fosse mesmo o velhinho da capa do album Aqualung, do Jethro Tull. Depois achei que se parecia com o Baratinha da minha infância.
Mas um dia ele me apareceu diferente: passou por mim, deu um pulo na minha frente e começou a berrar palavras num Espanhol sem dentes. Parecia estar com muita raiva de mim, pelo que me assustei e devo ter ficado branca da boca roxa. Quando viu meu pulo pra trás, ele achou divertido e, todo sorriguela, me chamou de "guapa" duas vezes, aí ficou sério de novo, tirou as moedinhas do bolso e seguiu seu caminho. Depois disso nunca mais sorriu pra mim, nem ao menos me reconheceu.

PS: a César o que é de César: quando meu irmão nasceu, Quequel tinha 5 anos. Diante daquele nenem risonho, ela falava sempre que ele era muito sorriguela. E assim inventou a palavra que eu mais queria ter inventado. Uma espécie de Guimarães Rosa mirim na família, essa minha irmã muito preciosa.