Amizade em quatro tempos
Passei o ano de 2008 vivendo em Santiago do Chile. Faltando menos de dois meses para meu retorno ao Brasil, recebi a visita de um casal de amigos: o Kico, a quem chamo de irmão, e a Dani, a quem chamo de cunhada. Em uma conversa na varanda, Kico e eu olhávamos a Cordilheira que se estendia quase infinita diante de nós. Em uma semana, meu amigo havia entendido o que era meu mundo lá. Andou pelas ruas comigo, bebeu com meus amigos, conversou com a cidade e caiu de amores por minha segunda pátria. Enquanto conversávamos sobre minha volta, ele viu toda a tristeza em meus olhos, dor que até tentou sair em um suspiro, mas estava presa. Kico atravessou um braço sobre meu ombro, suspirou também, mirou a Cordilheira e disse algo que me acompanha desde então, em todas as minhas despedidas: “Esta dor que você está sentindo é muito melhor do que a dor de não sentir nada”.
Ainda é, querido Kico. Ainda é.
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Em uma noite quente de fim de verão, passei algumas horas conversando com outro casal, o pastor Alexandre Robles e sua esposa Mariane Robles, em uma chamada de vídeo. Falamos sobre futebol, música e cinema, contamos casos da roça, até que começamos a conversar sobre vocação ministerial. A maneira como Alexandre falava me pareceu uma dança de palavras vivas, acesas, e de repente tudo fez muito mais sentido. Senti aquela paz que não se explica, terminei a conversa carregando um fardo mais leve. Depois que nos despedimos, quis escrever. Escrevi aos dois:
“Hoje, olhos de amor me ajudaram a escolher o que é certo, a enxergar uma trilha a seguir. E foi assim, sem planejar, sem fazer força, que vocês dois me apontaram um caminho de verdade que vai dar no mar, ou bem pra lá do mar: lá onde começa o céu.”
Poucas horas depois, veio a reposta:
“Isso nos dá esperança de que sempre vale a pena seguir a força dos rios da comunhão, pois eles acabam nos mares da eternidade.”
Fechei os olhos e imaginei muitos barquinhos navegando lado a lado, conduzindo entre as margens do rio meus muitos amores.
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No domingo de Páscoa, tivemos um café da manhã especial. Éramos uma turma de amigos em uma pequena vila no alto de uma montanha, de onde se viam os mares de morros de Minas Gerais, perto da cidade de Ouro Preto. Nossa celebração pascal diante daquela mesa farta e de amigos cheios de gratidão marcou minha vida cristã e ilustrou a palavra ressurreição. Naquela mesma noite, de carro pela cidade, minutos antes de me despedir do amigo André da Mata, que voltaria a São Paulo, começamos a falar de amor e de como precisávamos de cura para antigos sentimentos. André me lançou um olhar terno e completou todo aquele dia de celebrações: “Se você não acredita que poderá viver um novo amor, então é porque não conhece o poder da ressurreição.”
Sem ter o que dizer, teci um casulo macio e guardei o verso dentro.
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Eu estava conversando com meu amigo Laion Monteiro e relembrávamos exatamente o tal domingo de Páscoa, quando cheguei em casa e nos encontramos na internet e falamos sobre esperança. Contei o que o André havia dito sobre o poder da ressurreição e o que o Alexandre Robles havia escrito sobre ressurreição (“Para que a morte nunca seja a última notícia”). E assim, bem naturalmente, como é próprio das pessoas que exalam poesia, Laion disse: “Sim. Creio na ressurreição da carne também por causa de minhas saudades. Impossível tudo terminar assim tão quase.” Não pude vê-lo, mas imagino que seus olhos tenham-se virado para o lado, onde estava sua namorada, minha amiga Priscila Seabra. Apesar de tanto amor, os dois vivem de poucos encontros e muita saudade. Mas este não há de ser o fim, nem o riso eterno há de morar tão longe assim.