quinta-feira, abril 27, 2006

E o Jabor tinha razão

“Vezinquando” o Arnaldo Jabor acorda inspirado. Um texto de sua autoria que recebi há dois dias, por exemplo, é de tirar o chapéu. Por isso, mais uma vez, abro mão deste espaço para publicar algo que não seja de minha autoria, mas que eu teria assinado com prazer. Pena que o texto seja grande e não seja possível publicá-lo integralmente aqui. O que fiz, então, foi selecionar as partes de que mais gostei. São as que seguem abaixo:
“Está na moda - muitas mulheres ficam em acrobáticas posições ginecológicas para raspar os pêlos pubianos nos salões de beleza. Ficam penduradas em paus-de-arara e, depois, saem felizes com apenas um canteirinho de cabelos, como um jardinzinho estreito, a vereda indicativa de um desejo inofensivo e não mais as agressivas florestas que podem nos assustar. Parecem uns bigodinhos verticais que (oh, céus!...) me fazem pensar em... Hitler.
Silicone, pêlos dourados, bumbuns malhados, tudo para agradar aos consumidores do mercado sexual. Olho as revistas povoadas de mulheres lindas... e sinto uma leve depressão, me sinto mais só, diante de tanta oferta impossível. Vejo que no Brasil o feminismo se vulgarizou numa liberdade de ‘objetos’, produziu mulheres livres como coisas, livres como produtos perfeitos para o prazer.
A concorrência é grande para um mercado com poucos consumidores, pois há muito mais mulher que homens na praça (e-mails indignados virão...) Talvez este artigo seja moralista, talvez as uvas da inveja estejam verdes, mas eu olho as revistas de mulher nua e só vejo paisagens; não vejo pessoas com defeitos, medos. Só vejo meninas oferecendo a doçura total, todas competindo no mercado, em contorções eróticas desesperadas porque não têm mais o que mostrar. Nunca as mulheres foram tão nuas no Brasil; já expuseram o corpo todo, mucosas, vagina, ânus.
O que falta? Órgãos internos? Que querem essas mulheres? Querem acabar com nossos lares? Querem nos humilhar com sua beleza inconquistável? Muitas têm boquinhas tímidas, algumas sugerem um susto de virgens, outras fazem cara de zangadas, ferozes gatas, mas todas nos olham dentro dos olhos como se dissessem: ‘Venham... eu estou sempre pronta, sempre alegre, sempre excitada, eu independo de carícias, de romance!...’
Sugerem uma mistura de menina com vampira, de doçura com loucura e todas ostentam uma falsa tesão devoradora. Elas querem dinheiro, claro, marido, lugar social, respeito, mas posam como imaginam que os homens as querem.
Ostentam um desejo que não têm e posam como se fossem apenas corpos sem vida interior, de modo a não incomodar com chateações os homens que as consomem. A pessoa delas não tem mais um corpo; o corpo é que tem uma pessoa, frágil, tênue, morando dentro dele.
(...) A democracia de massas, mesclada ao subdesenvolvimento cultural, parece ‘libertar’ as mulheres. Ilusão à toa. A ‘libertação da mulher’ numa sociedade ignorante como a nossa deu nisso: super-objetos se pensando livres, mas aprisionadas numa exterioridade corporal que apenas esconde pobres meninas famintas de amor e dinheiro. A liberdade de mercado produziu um estranho e falso ‘mercado da liberdade’. É isso aí.
E ao fechar este texto, me assalta a dúvida: estou sendo hipócrita e com inveja do erotismo do século 21? Será que fui apenas barrado do baile?” Arnaldo Jabor.

sexta-feira, abril 21, 2006

zzzz...

Só por hoje ser feriado, já sou fã de Tiradentes. Quão politicamente incorreta eu posso ser? hahaha

terça-feira, abril 11, 2006

Bruna Surfistinha, Você, Eu e a Páscoa

Acordei cinco e meia da manhã para dar aula. Na volta, no final da manhã, passei pelo shopping. Entrei em uma livraria, cantarolando a canção “Senhor, quero ser seu santuário” em tom de oração. Comecei a folhear alguns livros, entre eles “O Doce Veneno do Escorpião”, autobiografia da ex-prostituta “Bruna Surfistinha”. Acabei lendo o livro inteiro sem ver o tempo passar.
“Bruna Surfistinha” tornou-se celebridade do dia para a noite, depois que inaugurou uma página na Internet contando sua rotina de garota de programa. Logo sua página tornou-se a mais visitada do país, entre as páginas pessoais cadastradas na internet.
Seu livro esteve em primeiro lugar na lista dos mais vendidos do país desde novembro, na categoria não-ficção. Somente na última semana é que passou para o terceiro lugar, desbancado pelo recém-lançado “A Arte na Política”, de Fernando Henrique Cardoso, e também por “Falcão – Meninos do Tráfico”, de MV Bill e Celso Athayde.
“Bruna Surfistinha” ou Raquel Pacheco (seu nome real), que há pouco tempo completou 21 anos e deixou a prostituição, fala da vida com ar de quem já viu de tudo um pouco. Ou de tudo muito. O texto é simples, bem no estilo bate-papo, mas não deixa de ser pesado, como era de se esperar. Ao longo das 172 páginas de letras grandes e de fácil leitura, ela intercala relatos de sua infância/adolescência com os pais adotivos, e fatos vividos durante sua vida de prostituição, iniciada aos 17 anos de idade.
Raquel foi criada como uma “patricinha” de classe média alta, mimada, como ela mesma descreve. No livro não fica claro o motivo por que ela optou pela “vida fácil”. Nunca mais teve contato com os pais. Arrumou um namorado, por quem deixou a profissão, e com quem pretende passar a vida.
Na sua página na Internet pode ser lido o balanço de tudo, em um texto escrito por ela após ter atendido seu último cliente, em seu último dia como prostituta. Eis alguns trechos:
“AAAAAAAAAAAAAAAA EU NÃO ACREDITO!!! Acabei de atender o meu último cliente!!!! A ficha ainda não caiu, mas beleza, amanhã, quando eu acordar, eu pensarei: ‘Eu não sou mais p...!!’. E aí sim que a ficha cairá!!”.
“Longe dos meus pais, com homens estranhos na cama, tive que cheirar [...] fedidos, ainda tive que enfrentar invejosos de plantão, assim como a hipocrisia e o preconceito na sociedade. Este foi o ‘lado negro’ que enfrentei.”
“O dinheiro nunca foi fácil, foi apenas rápido... Valeu a pena???? Depende em qual sentido. Mas se eu colocar tudo numa ‘balança’, não valeu. Um dia quero poder rir do meu passado.”
Saí da livraria com um nó na garganta. Mais uma Páscoa se aproxima. Pensando em tudo o que aconteceu hoje (as aulas que ministrei, a música que escutei e depois cantarolei, dizendo que quero ser um santuário, e, por fim, o livro que li), todas as coisas apontam para a Páscoa. É por meio do sacrifício de Jesus, é por meio do Amor e da Graça do Deus Trino que nos tornamos iguais. Para fins de justificação perante Deus, nenhum pecado é verdadeiramente maior que o outro. As conseqüências, sim, podem ser diferentes para cada ação nossa. Mas a relação de Deus conosco será sempre a de misericórdia diante de nossa existência falha, porque, independente de dimensão, de escala, sempre haverá falhas. Foi por isso que Ele comparou Israel a uma prostituta, a uma mulher adúltera, por causa da desobediência, da incredulidade, da natureza corrompida. Assim, a “Bruna Surfistinha” pode ter mais em comum conosco do que estamos dispostos a admitir. E, por fim, quem não tiver pecado que atire a primeira pedra. E que o Senhor Ressurreto nos lave de nossas transgressões. A nós todos: Brunas, Anas, Josés e Joães. Somos todos iguais neste domingo. E para todo o sempre.

quinta-feira, abril 06, 2006

“SMILE”, UM SONHO, UMA LENDA

Não é preciso ser um grande amante da música para se encantar com o documentário “Smile”, sobre a produção do álbum musical homônimo, do ex-Beach Boy Brian Wilson. Para quem é contemporâneo de Beatles e Beach Boys, fica mais fácil entender a profundidade da coisa. Para quem nasceu bem depois, como é meu caso, tentarei explicar a partir dos testemunhos a que tive acesso.
A ingenuidade presente no estilo musical dos californianos Beach Boys (estilo que ficou conhecido como “Surf Music”) estava com seus dias contados diante das experimentações de estúdio do líder da banda, Brian Wilson. Enquanto o grupo excursionava pelos Estados Unidos e pela Europa, o responsável pelas composições estava em casa buscando novas possibilidades, mesmo que isso significasse uma radical mudança de rumo. Os membros do grupo, dois deles irmãos de Brian Wilson, não gostaram nada das novidades, porque em time que está ganhando não se mexe. Para Brian Wilson, continuar sempre com a mesma velha fórmula seria enterrar sua paixão pela música, pelo novo, pelo inesperado. Seria entregar-se à mediocridade.
O Álbum “Pet Sounds” revolucionou a indústria fonográfica da época e, segundo George Martin, produtor dos Beatles, teve crucial importância na mudança de rumo da banda de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Star. Disse meu amigo Manoel Luiz Amaral que isso equivale a dizer (assumo com ele o risco da ousadia da afirmação) que, enquanto os Beatles revolucionavam o mundo, Brian Wilson revolucionava os Beatles. Paul McCartney faz coro à afirmação, ao declarar que “Pet Sounds” foi uma de suas principais influências para a gravação do disco "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band".
Brian Wilson não parou por aí, não se conformou com a revolução apresentada em “Pet Sounds”. Quis ir além. Quis produzir o álbum mais ousado já feito até então, uma verdadeira revolução, um disco que jamais antes fora visto no cenário pop mundial. Quando os Beach Boys voltaram de viagem, jogaram um balde d’água fria no projeto. Não aceitaram o desafio, não entenderam nada, não apostaram nas idéias do líder da banda. Muitas coisas estavam acontecendo, Brian Wilson se envolveu com drogas e, além disso, manifestaram-se nele sintomas de esquizofrenia. Nesse meio tempo, enquanto a imprensa anunciava o lançamento do revolucionário álbum “Smile”, os Beatles lançaram o revolucionário “Sgt. Peppers”.
Foi a conta. Brian Wilson sentiu-se perdido. Isso, somado a vários outros fatores, fez com que o álbum de Brian Wilson nunca fosse produzido. Ele se tornou a maior lenda de um álbum não lançado, ao lado de seu contemporâneo Sgt Peppers, a maior lenda de um álbum lançado.
Durante trinta anos, Brian Wilson não quis falar no assunto, foi tido por louco, chegou a pesar quase duzentos quilos. Na década de noventa, voltou a tocar, mas foi somente no início do presente milênio, em 2004, quase quarenta anos depois do colapso do projeto “Smile”, é que o álbum finalmente saiu.
Foi produzido e ficou uma beleza! Paul McCarney foi à pré-estréia do show. Vibrou como um adolescente, embasbacado diante da força visual e sonora e de simbologia do show. George Martin também deu testemunho sobre o álbum. Ele disse que na época não entendeu direito o que houve, mas afirmou que o disco é tão maravilhoso que não sabe o que teria acontecido na época, caso tivesse sido lançado.
Ninguém sabe o que teria acontecido, não nos cabe saber.
Mas o fato é que o documentário mexeu comigo, e pensei nele por uma semana, e ainda estou pensando. É que trata de sonhos frustrados, e trata de redenção, e de restituição. Brian Wilson hoje é um senhor. Ele disse, ao final do show, que teve sua alma curada durante a turnê. E disse isto com uma carinha cansada, um olhar resignado, mas, ainda assim, com um brilho no olhar que não se vê em qualquer esquina. Esse homem sabe quanto lhe custou a produção deste álbum. O mundo da música é que não sabe, e talvez nunca chegue a saber, a falta que aquele álbum nos fez, naquele momento, naquele cenário. Uma pena
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