sexta-feira, março 24, 2006

VALE A PENA COMENTAR

Na edição passada, o tema foi delicado. E talvez mal explicado. “O que não é Cristianismo” era um texto composto de três pequenas narrativas, sendo todas três verídicas, e não simplesmente alegorias utilizadas para falar mal da instituição igreja. Uma das histórias aconteceu durante uma solenidade Católica Romana. Outra, no início de uma solenidade Católica não-Romana. A última foi um diálogo ocorrido no meio da rua, em ambiente “neutro”. Chamo de Católicas não-Romanas aquelas comunidades que não pertencem à tradição da igreja de Roma, mas que ainda assim são Católicas, palavra que significa Universal. Aí estariam incluídas as chamadas igrejas Evangélicas. Utilizo o termo Católica ou Universal no sentido de que a salvação em Jesus não é algo excludente e não está atrelada a esta ou àquela denominação. O sacrifício Dele foi bem maior que nossas picuinhas interdenominacionais.
Para a presente discussão, também é necessário estabelecer a diferença entre Igreja, com inicial maiúscula, e igreja, com inicial minúscula. A primeira é a Igreja Cristã invisível, a Noiva do Cordeiro, e dela fazem parte todos os que têm Jesus por Senhor e Salvador, independente de denominação. A segunda é a igreja como instituição, é a igreja que se pode ver, e entrar, e sair, aquela que hoje recebe e amanhã expulsa ou excomunga membros, que tem contas a pagar, que possui um conselho diretor e um conjunto de normas internas tão distintas e numerosas quanto a diversidade de denominações e ordens religiosas cristãs existentes.
Não era objetivo daquele texto denegrir a imagem da Igreja. O que tentei dizer é que algumas coisas, que nada têm a ver com Cristianismo verdadeiro (“O que não é Cristianismo”), podem acontecer e realmente acontecem dentro dos mais variados ambientes de igreja. Mas isso não é nem nunca será suficiente para apagar a prática cristã verdadeira, seja ela Católica Romana ou Católica não-Romana. O que quis dizer é exatamente isto: que não dá para confundir o ato de uma mãe raivosa, por exemplo, com a existência de um Deus maravilhosamente misericordioso. A criança ouviu de sua mãe que era melhor chorar do que rir durante a missa. E, embora aquele menino possa ter saído de lá pensando que Deus é carrancudo e mal humorado, a Igreja, a Noiva, precisa gritar ao mundo, com sua voz profética, que o Deus Cristão é um Deus feliz, é um Deus misericordioso e que se alegra com a alegria verdadeira do ser humano.
Em qualquer igreja cristã existem falhas. É também verdade que algumas práticas e atitudes que acontecem nessas igrejas em nada edificam o nome do Nosso Senhor Jesus Cristo. São a anti-graça. Mas, ao mesmo tempo em que assistimos a essas atitudes, não podemos confundi-las com Deus mesmo. Ele, sim, continua agindo de forma poderosa, seja na Igreja Católica Romana ou nas Católicas não-Romanas.
Atualmente eu não falo mais que sou Batista ou qualquer coisa. Apenas digo que sou Cristã. Porque, cada dia mais, entendo que Cristo não encontra barreiras para agir. Ele age de formas inimagináveis e não podemos delimitar sua ação. Nem mesmo com beliscões, inquisições e caças às bruxas. Ele é um Deus que age e nada o imperirá de agir.
Não, eu não estava falando mal da Igreja Católica Romana. Sim, eu estava falando mal da mãe do menino, que não tem noção nenhuma do que seja um Deus alegre. Por coincidência, ela estava participando de uma solenidade que aconteceu na Católica Romana. Mas poderia ter sido na Batista. Eu teria denunciado do mesmo jeito.
Não, eu não estava falando mal das igrejas Evangélicas. Sim, eu estava falando mal daqueles diáconos que proibiram ao pastor de pregar na comunidade deles, por não estar de barba feita. Eles não têm noção nenhuma do que seja um Deus que se importa mais com o coração limpo do que com um rosto de pele lisinha. Ele estava em uma igreja evangélica. Mas poderia estar na Católica Romana. E eu teria falado do mesmo jeito.
Tenho dito.

sexta-feira, março 10, 2006

O QUE NÃO É CRISTIANISMO

Um menino vai com sua mãe à missa. Como não entende o que o padre diz, e porque não sabe ler o folheto de missa, prefere ficar brincando com seu carrinho imaginário. Ao virar-se para trás, encontra uma moça simpática, sorriso largo, e ficam trocando risinhos, essas coisas. Esconde-se atrás do ombro da mãe, aparece novamente para que a moça o veja e sorria para ele. Tudo isso durante a missa. O menino não entende por que, mas recebe da mãe um beliscão que quase lhe arranca o braço. Ela diz que igreja não é lugar de ficar dando risinhos. De tanta dor, as lágrimas descem desavergonhadamente, nem adianta querer segurar o choro.
Ao ver a criança chorando, a mãe diz baixinho:
- Assim está melhor.
Naquele dia, a criança sai da missa com a certeza imensa de um Deus chato e carrancudo.
= x = x = x = x = x = x = x = x = x = x = x = x = x = x= x = x
Um homem é convidado a pregar em uma certa igreja evangélica. Ele sabe que lá é preciso ir engravatado, ainda que esteja vestindo camisa de manga curta. E pensa com seus botões: Será que Jesus de Nazaré, caso aparecesse por ali, conseguiria pegar o microfone?
Em todo caso, apesar do calor e da hora do dia – são cinco da tarde de domingo – ele se rende às formalidades. Só há um problema: ele engordou bastante nos últimos meses e não há terno no guarda-roupa que lhe sirva. Cria coragem, bate campainha na casa do vizinho, um gordinho bem simpático que deveria ter alguma coisa para lhe emprestar. Perfeito! Nem parece que é roupa de outra pessoa, a não ser pelo comprimento da calça, mas nada que uma fita crepe bem ajeitada não possa resolver.
Pronto para ir à igreja levar sua mensagem, pára no posto e coloca gasolina para pagar no cartão, porque dinheiro não tem.
Na entrada da igreja, as pessoas o olham de forma estranha. Ele até pensa que talvez a fita crepe esteja aparecendo ou que o fecho da calça esteja aberto. Mas não é nada disso. Aproximam-se dois diáconos e, sem rodeios, informam-lhe que pessoas com barba não podem pregar naquela igreja. Oferecem-lhe um prestobarba e um espelho, e até creme de barbear.
- Não, obrigado. Meu Deus não é tão chato e carrancudo assim.
= x = x = x = x = x = x = x = x = x = x = x = x = x = x= x = x
Conta-nos Philip Yancey que uma mulher se aproximou de um pastor confessando que andava alugando sua filha de quatro anos para homens interessados em sexo pervertido. Como não tinha o que comer, o aluguel da filha lhe rendia mais do que ela poderia conseguir em duas semanas alugando seu próprio corpo. Não vou comentar os aspectos jurídicos do caso. Apenas direi o que se passou no momento. Perplexo, sem saber o que fazer ou que dizer, o pastor perguntou à mulher se ela já havia procurado uma igreja, ao que ela respondeu:
- Igreja? Não, obrigada. Eu já me sinto péssima o suficiente.
= x = x = x = x = x = x = x = x = x = x = x = x = x = x= x = x
Philip Yancey, em continuação, conta que durante uma certa época se afastou da igreja porque encontrou nela muito pouca Graça. Um tempo depois retornou, porque não encontrou Graça em nenhum outro lugar. Com todos os males que a Igreja Cristã já causou, não consigo imaginar o mundo sem ela. E não consigo imaginar que eventos como as Cruzadas ou a Inquisição tenham apagado por completo a chama do amor que borbulha em inúmeras pessoas que encontram no Deus Trinitário (criação, encarnação, sacrifício, ressurreição e Sua presença e ação constantes na História da humanidade) a plena manifestação da Graça.

quinta-feira, março 09, 2006

Não sei ser outra coisa :o)

Gosto de ser mulher, mas não sei se ser mulher é bom ou ruim, porque nunca fui outra coisa. Na verdade, acho mesmo que ser mulher é como ser homem: é ter uma missão. É existir como ser inteiro (contra aquela idéia esquisita de ser “um espírito que possui uma alma e habita num corpo“). Somos inteiros, somos tudo ao mesmo tempo. E, ao mesmo tempo que somos tudo, somos nada. Um nada que se completa no outro. Ser mulher é, antes de mais nada, ser humana. E isto é maravilhoso... Gosto da nossa condição humana, embora com tantas falhas e limites. Hoje, quero homenagear a raça humana. Homens, mulheres, velhos, crianças, índios, negros, brancos e amarelos. Um brinde à nossa existência, um brinde à vida. Um brinde a Deus, que nos criou. Um grande beijo às mulheres, que vêem a vida por uma ótica mais ou menos parecida com a minha. Um grande beijo aos homens, cuja visão de mundo é não apenas complementar para nós, mulheres, mas, principalmente, indispensável! Feliz dia 8 de março, seja você homem ou mulher...

sexta-feira, março 03, 2006

Fome: na hora do Faustão, não!

Disse Dietrich Bonhoeffer que, se existe alguém passando fome, é porque existe alguém retendo alimento. Nem que seja alguém como aquela mendiga que a televisão mostrou há pouco tempo: quando entraram no lugar em que ela morava, depararam-se com cento e vinte e uma cestas básicas apodrecendo. Ela não aprendeu a repartir, preferia ver sua casa infestada daquele odor putrefato.
Reter alimento ou reter atenção ou reter solidariedade, nada disso deveria ser tolerado. Alguém bate campainha em minha casa e prefiro nem atender, porque decerto é gente pedindo qualquer coisa, tirando meu sossego... E não há nada que valha mais em nossa geração do que nosso sossego, nossa zona de conforto. Somos uma geração individualista por excelência. Ser feliz o tempo todo é o que se busca a todo custo. A todo custo mesmo. Não se aceita o sofrimento, é preciso sempre haver um motivo: o capeta, a igreja, a escola, o trabalho, o pai, a mãe, o vizinho, mas não nós mesmos. Não, nós não admitimos que falhamos. Nosso momento histórico afirma que nascemos para ser felizes e que qualquer coisa que nos tire do sossego só pode ser algo ruim. Uma campainha tocando às três da tarde de domingo, então, nem se fala!
E não importa que o outro esteja com fome. Importa, sim, que o bacanão quer descansar assistindo ao Faustão. Porque no dia seguinte a semana começa de vez e aí não haverá tempo sobrando. Nada contra descansar com a família num dia de domingo, ou na segunda-feira, que seja. Mas é preciso enxergar além do próprio umbigo.
Enquanto o outro espera por um pouco de comida, na tevê passa um comercial do carro do ano, agora com um apetrecho a mais. E, apesar de não haver nada na despensa que possa ser dado ao pedinte, porque a vida não está fácil, logo planejamos a compra do carro anunciado, do celular colorido, da roupa da moça da novela... Mas não lhe damos sequer um biscoito. Na nossa despensa ninguém mete a mão!
O individualismo é a pior doença da nossa geração, e já se alastrou por todos os cantos. Filosofias de auto-ajuda, receitas de dez passos para ser feliz, e pisa na cabeça de um daqui, e pisa na do outro ali, e algumas igrejas vão expiando as culpas e dizendo que têm a fórmula da felicidade. Uma placa diz: Chega de sofrer! Algum desavisado entra e acha tudo lindo, mas ao primeiro sinal de que o sofrimento não acabou, acaba acreditando que Deus é um traidor, um brincalhão.
Em meio à prática religiosa individualista (aquela do Deus a serviço do homem) alguma coisa ficou esquecida: Deus tinha milhões de formas para agir, mas escolheu usar gente para curar gente, pessoas para cuidar de pessoas, mãos para alimentar os famintos. Quando me tranco em um mundinho só meu e me esqueço do resto, então me fecho para o propósito da Criação. Deus não criou um planeta Terra para cada ser humano, embora eu creia que Ele tivesse capacidade para fazê-lo. A Terra é uma só para todo mundo e todo o alimento que temos está aqui. As pessoas são muitas, e o tempo é curto, e o sofrimento aumenta cada vez mais, mas não temos para onde ir. É aqui mesmo que ficamos, e chega de eu, só meu, só pra mim...
O caminho para a felicidade é o oposto do que nossa geração está buscando: é a vida em comunidade, a noção de sociedade solidária, lugar de relacionamento. Deus é relacionamento: Ele é três e Ele é um. Nenhuma das pessoas da Trindade é superior às outras. Se um sofre, todos sofrem. Se um se alegra, todos se alegram.
Mais uma vez, devo dizer que também luto contra o individualismo, contra a preguiça de atender campainha para dar de comer a alguém que necessita. E acabo retendo alimento. Quando deixo de compartilhar o que tenho e logo em seguida faço uma comprinha básica para suprir meus caprichos, eu me torno, sim, uma grande responsável pela fome no mundo. Assim tem nos ensinado o Professor Teólogo Aziel Gusmão.

“A lição sabemos de cor. Só nos resta aprender”.