sábado, janeiro 28, 2006

A Queda, A Lista, O Pianista

Hoje seria publicada a terceira e última parte do meu discurso antinostalgia, mas sinto que não tenho nada a acrescentar ao que já falei e, além do mais, estou de bom humor. Mudemos então o rumo da prosa.
Na última quinta-feira participei da programação do recém-criado cineclube do Tropical Tênis Clube. Iniciativa louvável, principalmente pelo alto nível das produções lá exibidas. Nada contra o cinema de entretenimento, os blockbusters da vida. Possuem seu valor, seu espaço. Nem daria mesmo para ficar assistindo somente aos chamados filmes de arte. Há dias em que não queremos pensar, mas apenas engolir história mastigada, e não vejo nada de mal nisso. Acontece que sempre senti falta, em Itaúna, de uma reunião de pessoas interessadas na sétima arte e dispostas a descobrir nos filmes algo além do óbvio, sentir a poesia das cores e dos sons, perceber o cuidado com os diálogos e com a construção dos personagens, imaginar saídas possíveis para o desenvolvimento da trama, dialogar com a produção. A velha fórmula maniqueísta dos filmes enlatados cansa e não enche barriga. Chega uma hora em que não dá para assistir à mesma história mais uma vez e outra vez mais. E, por mais espertalhão que o espectador se sinta ao adivinhar o final do filme (tão sacado, ora, pois!), um dia ele vai desconfiar de que se trata do mesmo filme feito e refeito centenas de vezes, com nova embalagem, novo título, um detalhezinho aqui, outro ali, mas sempre o mesmo.
Há momentos em que sentimos falta de algo mais real, mais palpável, menos oito ou oitenta, ou é bonzinho ou é malvado, ou Júlia ou Bia Falcão, He-man ou Esqueleto, americano ou russo, herói ou vilão.
Foi muito bem escolhido o filme “A Queda – as últimas horas de Hitler no poder”, produção alemã de 2004 (duração: 151 minutos). Embora seja talvez trinta minutos mais longo do que deveria, o filme é muito bem realizado e nos presta grande favor como ferramenta de revisão daquela História que conhecemos e que nunca questionamos: nele, encontramos um Hitler menos caricaturizado, um líder que sentia medo, que teve momentos de angústia. O filme é contado do ponto de vista da secretária do ditador, que faleceu em 2002. É uma produção feliz em sua reconstrução histórica. Não é objetivo do diretor buscar culpados, muito menos redimir Hitler de quaisquer acusações. Afastando-se do caminho fácil dos estereótipos, ele opta por apresentar seu personagem da forma mais humana (ou humanesca) possível. Seguramente, uma das leituras mais cuidadosas a respeito dos últimos momentos da II Grande Guerra. Todavia, se tiver que recomendar algum filme sobre Segunda Guerra, nazismo e coisa e tal, ainda prefiro o lirismo dolorido de Roman Polanski em seu insuperável “O Pianista”. Ideal mesmo é assistir aos dois, e só se tem a ganhar. A Lista de Schindler, por sua vez, pode esperar outra década para ser assistido; não é de todo urgente.

sábado, janeiro 21, 2006

VENENO ANTINOSTALGIA 2

Segunda parte do texto que recebi: “Que valores são estes? Automóveis que valem mais que abraços, filhas querendo uma cirurgia como presente por passar de ano. Celulares nas mochilas de crianças. O que vais querer em troca de um abraço? A diversão vale mais que o diploma. Uma tela gigante de TV vale mais que uma boa conversa. Mais vale uma maquiagem que um sorvete. Mais vale parecer do que ser… Quando foi que tudo desapareceu ou se tornou ridículo?”.
Sou filha da classe média. É o meio em que me criei e a que devo grande parte da percepção que tenho da realidade, distorcida ou não. A História da Humanidade apresenta seus pontos de virada, mudanças de mentalidade, de geração em geração. Embora cada pessoa possa ser julgada responsável pelo que pensa, haverá sempre o momento em que sua opinião se unirá à opinião pública. É sujeito e também objeto das mudanças de valores da sociedade. E, se é verdade que tais mudanças parecem livres, espontâneas, por outro lado é curioso que se perceba nelas a repetição de patamares em uma espécie de moto-contínuo, retroalimentativo e quase previsível: cada modelo de pensamento tem por objetivo negar o anterior e resgatar parte do penúltimo. Mas algo dá sempre a impressão de que se está sendo realmente inovador.
Somos, previsivelmente, aquela geração que nega a modernidade e seu materialismo progressista e desenvolvimentista. Somos os pós-modernistas e a nós cabe negar a existência de uma verdade absoluta, científica, inquestionável. Nosso papel é, como esperado, louvar a pluralidade e execrar o totalitarismo modernista.
Uma coisa é certa: vivemos o materialismo, mas não o inventamos. Se automóveis chegaram a valer mais que abraços, foi porque aprendemos aquela velha hierarquia de classes em que ser rico é também ser melhor, em que pobre deve obediência a seus “superiores”, em que empregadas domésticas são tidas como uma “raça” de ignorantes. Se crianças exibem seus novíssimos celulares com câmera para se sentirem aceitos em sua roda de amigos, é porque talvez um dia eles pensaram que seriam bombeiros ou soldados quando crescessem, mas o absurdo da organização social é tão escancarado que até as crianças, apesar de ingênuas, perceberam que não valeria a pena. Viram que algumas pessoas são consideradas perdedoras, socialmente invisíveis porque não andam com carro do ano, não moram em bairro da zona sul e não podem “construir sua personalidade” com roupas de grife e celular com câmera.
Mais uma vez: nós não inventamos esta praga, o materialismo. E pouca coisa poderia ser mais chata do que este tipo de discurso de alguém com saudade de uma realidade que não viveu, dizendo ter pena de nossa geração. Não somos diferentes de ninguém. O autor C.S. Lewis, em um dos sete livros que compõem As Crônicas de Nárnia, escreve: “Ser descendente de Adão e Eva é honra suficientemente grande para que o mendigo mais miserável possa andar de cabeça erguida, e também vergonha suficientemente grande para fazer vergar os ombros do maior imperador da Terra”. Não somos diferentes de ninguém.

quinta-feira, janeiro 12, 2006

VENENO ANTINOSTALGIA

Recebi por e-mail um arquivo de PowerPoint e, estivesse eu com um pouco mais de sono, teria apenas lido o texto como quem não quer jogar correspondência fora antes de ao menos saber o que é. Mas a verdade é que o que encontrei ali acabou dando pano pra manga. Separei o texto em algumas partes e hoje falarei sobre a primeira delas:
“Quero voltar a confiar. Fui criado com princípios morais comuns: quando eu era pequeno, mães, pais, professores, avós, tios e vizinhos eram autoridades dignas de respeito e consideração. Inimaginável responder de forma mal educada aos mais velhos, professores ou autoridades… Confiávamos nos adultos porque todos eram pais, mães ou familiares das crianças da nossa rua, do bairro, ou da cidade... Tínhamos medo apenas do escuro, dos sapos, dos filmes de terror… Hoje me deu uma tristeza infinita por tudo aquilo que perdemos, por tudo o que meus netos um dia enfrentarão”.
Pode ser que os mais novos não dessem más respostas por respeito e consideração aos mais velhos. Mas será que talvez (apenas talvez) o motivo por que se calassem não era o medo? A geração de nossos pais aprendeu com os pais, que aprenderam com os pais, que aprenderam com os pais que cada malcriação deveria ser punida severamente de forma a evitar reincidência, e cale-se e não reclame. E é assim porque eu disse que é assim, e não venha querer questionar. E não duvide dos livros, muito menos dos professores, senão você vai ser expulso da escola, ou, o que é pior, vai para a turma onde estão os alunos atrasados e lentos para obedecer. E nem vem que não tem, que você vai ser é doutor, que aqui em casa não se cria filho para ser artista. E mulher filha minha não trabalha fora. E tem que arrumar marido filho de doutor fulano, porque se for de família “ruim” é melhor que não se case. Naquele tempo, e um pouco ainda hoje, criança não tinha muito valor por aquilo que era, mas sim pelo fato de que nela estava a promessa de vir a ser um adulto valoroso.
Ainda sobre o texto, quando li: “Hoje me deu uma tristeza infinita por tudo aquilo que perdemos, por tudo o que meus netos um dia enfrentarão”, logo me respondeu o autor de Eclesiastes: “O que foi será, e o que se fez se tornará a fazer. Nada há de novo debaixo do sol. Mesmo que alguém afirmasse de algo: ‘olha, isto é novo!’, eis que já sucedeu em outros tempos muito antes de nós. Ninguém se lembra de seus antepassados e também aqueles que lhes sucedem não serão lembrados por seus pósteros” (Eclesiastes 1:9-11).
Assim tem sido. Este é meu veneno antinostalgia.