domingo, abril 27, 2008

O inverno chegou há uma semana, Santiago se pôs cinzenta e as pessoas sorriem menos. Casacos cheirando a guardado, mesinhas na calçada já bem mais vazias, portas e janelas cerradas.
Os santiaguinos dizem que a temperatura está ótima, mas eu, friorenta que só, já não sei se haverá edredons suficientes no mundo para o meu frio daqui a dois meses.
Inverno na Europa é uma coisa: na rua faz frio, mas todos os estabelecimentos e casas possuem sistema de aquecimento. Aqui não. Na maioria das casas, se está frio, então está frio.
A Cordilheira já começa a ficar coberta de neve no topo, nos seus tantos milhares de altura. Cá embaixo, na cidade, tem dia que a neblina não deixa ver o outro lado da rua. Mas não reclamo, acho bonito.
Melancolia veio no pacote e hoje senti muita saudade de casa. Saudade de ouvir Português, porque aqui não conheço brasileiros. E, de tanto querer ouvir Portguês, hoje assisti vários capítulos da novela no site da Globo com a senha da minha prima (Nanda, espero que não se importe).

Ontem fui a uma festa em uma cobertura maravilhosa, vigésimo sexto andar, com vista para os quatro lados. Muita música latina (principalmente el reggaeton) e gente de tudo que é lado: Bolívia, Chile, Argentina, República Dominicana, Nicarágua, além de mim e da Kristin. Fiquei triste quando a nicaragüense me disse que não existe mais resquício de sotaque mexicano no meu Espanhol, que era o que mais me deixava feliz na minha primeira semana aqui. Quatro pessoas me disseram que eu já estou com um sotaque bem chileno, o que não sei se é bom ou ruim. Mas eu já desconfiava que isso fosse acontecer. Eu vou ao Rio, volto com entonação meio de carioquês. Passo um dia conversando com alguém de São Paulo e lá estou eu, sem perceber, pegando expressões e entonações. Eu conto casos imitando as vozes, eu adoro perceber diferentes sotaques e me encanto pela diversidade. E, sem ver, acabo imitando o jeito como as pessoas falam.
O único problema é que o sotaque chileno não é bonito, pelo menos eu não acho.
Mas não tem jeito. É aqui que estou me tornando fluente e é o sotaque daqui que me marcará para sempre.
Como marcante tem sido este ano para mim, embora o preço às vezes me pareça um pouco alto demais.
E por falar em saudade, onde anda você?

sexta-feira, abril 25, 2008

"Eu é que sei que pensamentos que tenho sobre vós, diz o Senhor; pensamentos de paz, e não de mal, para vos dar um futuro e uma esperança" Jeremias 29:11

e ainda:

"A vida do homem reto é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito"...

Ai, mas falta tanto!

sexta-feira, abril 18, 2008

O paletó e seu velhinho (meu mini conto santiaguino)

No caminho do metrô à escola, quase sempre passa por mim um velhinho e seu paletó quase cinza e quase marrom, e com furinhos. Se não passasse o velhinho, passaria o paletó, que já virou andarilho por conta própria. Calça jeans amarrada com cipó e muitas moedinhas que ele tira do bolso da camisa de trinta em trinta segundos, segura-as na mão em formato de concha, balança duas vezes para ver quanto pesam, depois volta a guardá-las. No primeiro dia eu pensei que ele fosse mesmo o velhinho da capa do album Aqualung, do Jethro Tull. Depois achei que se parecia com o Baratinha da minha infância.
Mas um dia ele me apareceu diferente: passou por mim, deu um pulo na minha frente e começou a berrar palavras num Espanhol sem dentes. Parecia estar com muita raiva de mim, pelo que me assustei e devo ter ficado branca da boca roxa. Quando viu meu pulo pra trás, ele achou divertido e, todo sorriguela, me chamou de "guapa" duas vezes, aí ficou sério de novo, tirou as moedinhas do bolso e seguiu seu caminho. Depois disso nunca mais sorriu pra mim, nem ao menos me reconheceu.

PS: a César o que é de César: quando meu irmão nasceu, Quequel tinha 5 anos. Diante daquele nenem risonho, ela falava sempre que ele era muito sorriguela. E assim inventou a palavra que eu mais queria ter inventado. Uma espécie de Guimarães Rosa mirim na família, essa minha irmã muito preciosa.

quarta-feira, abril 09, 2008

Eu não posso ser normal. Uma pessoa que se delicia lendo uma gramática de Espanhol não pode ser normal. Ainda mais num sábado a noitinha, enquanto espera para sair com amigos e escuta versoes remix de Nina Simone, Willy Lobo, Billie Holiday e tals, uma seleção de extremo bom gosto lançada pela gravadora Verve; e Gotan Project.

A vida social aqui tem sido intensa, bem mais do que estou acostumada. Galera quer sair todo dia, acende um cigarro no outro e entorna litros e litros de piscola - um troço forte e meio doce, pisco com coca-cola. Eu tomo suco e água.
Quanto mais bebem, mais embolado conversam, eles que falam o Espanhol como nós mineiros falamos o Português: cortando os finais das palavras.

Ontem tive certeza de que eu moro muito bem. Num raio de duas quadras da minha casa a cidade ferve. Muitos cafés, restaurantes, bares dançantes, clubes noturnos. E as pessoas saem a pé, chega a ter engarrafamento de pedestres na calçada à meia noite de sexta-feira.
Ontem eu e Kristin nos demos de presente um jantar fino num restaurante delicioso, em uma mesa com vela, na calçada. Risotto de frutos do mar acompanhado de cabernet sauvignon servido em taças robustas. Um deleite só.

Mais tarde saí com o pessoal do apartamento. Fomos a um bar dançante onde quase todo mundo era quase bonito ou quase feio. Nunca inteiramente uma coisa ou outra, apenas quase.
Hoje eu fui convidada para um churrasco de bolivianos em um parque, onde Kristin ia se encontrar com seu novo paquera. Mas eu não fui. Preferi almoçar com Jaime - um dos meninos do apartamento - num restaurantezinho bem simpático aqui por perto, pra depois voltar pra casa, escutar musica, me pendurar na internet, estudar Espanhol, lavar roupa, cabelo e louça, escrever emails, tudo com tempo, tudo bem light.

O verão já deveria ter dito adeus, mas acho que decidiu passar o outono aqui com a gente. Amanhece e anoitece friozinho, mas durante o dia o calor é bem forte.

No metrô para o trabalho, já sei exatamente em qual vagão devo estar para não ser sufocada, e para depois pegar a combinação com a outra linha sem ter que esperar. Isso tem poupado bons minutos do meu dia e me sinto menos cansada.
Ainda sobre o metrô: quando eu tinha 1 ano peguei cecê da minha babá. Aos 10, de uma colega de balé que usou meu colant. Aos 20, de uma colega de intercâmbio que usou minha roupa e eu não lavei antes de usar. Uma coisa que me a vida me trouxe a cada nova década, mas agora me recuso a aceitar. Agora cheguei aos 30 e não tenho cecê, e não quero ter cecê, e procuro manter minhas axilas bem travadas enquanto trabalhadores mal cheirosos erguem seus braços entre um vagão e outro. Por enquanto, tudo bem.

As aulas estão ótimas e os alunos das empresas são dedicados e curiosos. Na escola, os professores são tão divertidos quanto festeiros, num ritmo que não é meu. Gosto de sair, mas gosto também de ter um tempo para mim, para minha música, meu quarto, meus livros, minha bíblia, e pra ficar pensando com meus botões. Sem isso praticamente inexisto.
Da minha janela continuo deslumbrada com a vista, mas a poluição às vezes me priva de ver a cordilheira, como hoje, por exemplo. Dizem que no inverno chove bastante, então fica tudo limpo.

Comecei a fazer caminhada e já arrisquei umas corridas de um poste ao outro no final. Mas sei que tenho que ir devagar. Emagreci um pouco já desde que cheguei aqui, porque ninguem precisa pesar 68kg quando se mede 1,69m. Não mesmo.

Acho que é só. Depois conto mais.

terça-feira, abril 01, 2008

QUANDO A CIDADE AMANHECEU EM MIM

Santiago amanheceu em mim. Estou feliz que isto tenha acontecido agora, porque seria muito dificil passar a amar a cidade no final de dezembro.
Eu sabia: a cidade nao é ruim; eu é que morava mal.
No feriado da Semana Santa fui com duas professoras daqui a Valparaíso. A viagem foi ótima e divertida. Eu nao sabia exatamente o que esperar, entao foram varias as surpresas que tive na cidade linda e feia e suja e colorida e charmosa e caótica e cheia de morros, gentes, peixes, frutos do mar, gringos, odores, calores, sorvetes, lindas vistas, e o porto, um estranho passeio de barco, e muitos morros num sobre e desce sem fim, elevadores na diagonal, e por fim bares e mais bares, a boemia de que tanto nos falou Pablo Neruda.
Por falar nele, visitei La Sebastiana, sua casa em Valparaiso, uma tetéia.
De volta a Santiago, peguei minhas tralhas na casa de Elsa e me mudei de lá. Na saída, Gato rosnou pra mim (tenho quase certeza). O hamster que tanto atrapalhou minhas noites de sono em sua roda para ratos, esse nao me viu sair. E, enquanto eu lavava meu ultimo copo na pia, me apareceu um morador de um dos quartos da frente. Entao era verdade.
Saí sem deixar saudades, passei a semana feliz em meu novo velho apartamento, com pessoas extremamente simpáticas e alegres, que me receberam com ovinhos de páscoa e aulas de Espanol gratuitas. Mas só me ensinam o que nao presta.
Willy (na verdade Guillermo) está no ultimo ano de Arquitetuta. Sua colega de sala, Loreto, é uma linda chilena que também vive conosco. E tem o Jaime, que trabalha com producao de video em um canal de Tv local. Somos todos mais ou menos da mesma idade.
O carpete é velho e meu colchao é tao macio que está entortando minha coluna, mas eu estou feliz. Minha vista é um cartao postal enorme e ao vivo, e eu nao paro de contemplar o fato de estar morando ali no centro do bairro Providencia. Da minha janela (13o andar) eu vejo grande parte da cidade e, ao fundo, a cordilheira. Ô dó de mim...
Na escola continua tudo bem. Novos professores continuam chegando e eu continuo sendo a unica professora de Ingles nao-nativa, o que me lisonjeia ao mesmo tempo em que me deixa preocupada e com medo de nao dar conta do recado. Bobeira minha, talvez. Ou talvez nao.

Final de semana será light, todo mundo quebrado porque só receberemos nossos salarios no dia 05.

E, de mais a mais, estou feliz por estar aqui. Cada vez mais.